Em Sarajevo, esta cidade onde as ruas respiram história e as culturas se encontram em uma dança eterna, a música parece ser uma das formas mais poderosas de traduzir a alma de um povo. Foi num desses momentos de descoberta inesperada que fui seduzido por uma melodia suave enquanto degustava uma sopa quente e alguns ustipčići, um prato simples, mas reconfortante. O ambiente do restaurante, acolhedor e familiar, era o lugar ideal para um encontro casual com algo novo, algo que a cidade queria me mostrar.
A música, que me parecia vinda de tempos passados, estava ali, fluindo suavemente entre os arranjos modernos e as raízes profundas de um passado turco-bálcânico. Ao perguntar à moça que nos servia, ela sorriu e me disse, como quem compartilha um segredo antigo: "É Dino Merlin, um cantor muito querido aqui na Bósnia". Aquelas palavras marcaram o início de uma jornada musical que, sem eu saber, me levaria a entender mais sobre a Bósnia do que qualquer livro ou história poderia contar.
Dino Merlin, nome imortal no cenário musical da Bósnia, canta não apenas com a voz, mas com a própria essência do país. Sua música é um reflexo de uma nação que atravessa os tempos, de um povo que sempre se reinventa, seja nas tragédias da guerra, seja nas alegrias simples do cotidiano. É como se suas melodias me fizessem viajar, um passo no Ocidente e outro no Oriente, percorrendo pontes invisíveis entre culturas que se entrelaçam, onde o mediterrâneo se encontra com o balcânico, e onde o sol se põe sobre as montanhas cobertas de neve.
Ao retornar para casa naquela noite, sem mais nem menos, passei em frente a uma loja de discos. A vitrine exibia, com uma simplicidade quase discreta, os álbuns de Dino Merlin. Não resisti e entrei, como quem não quer nada, mas com uma curiosidade crescente. Ali, entre os CD’s, um me chamou a atenção. O encarte, simples, mas com uma aura de profundidade, era a porta de entrada para um universo que, até aquele momento, eu não havia compreendido completamente.
Com o CD nas mãos, sentei-me em casa e, ao apertar o play, fui envolvido por uma mistura tão envolvente de harmonia e melodia, que parecia que a música, como o próprio país, estava em uma constante transição. Cada nota me levava por um passeio pelas ruas de Sarajevo, pela tranquilidade das aldeias montanhosas, pela agitação das praças e pela paz tão desejada após décadas de turbulência.
O que mais me fascinou, no entanto, foi a beleza intrínseca do idioma, com suas inflexões tão suaves e ao mesmo tempo intensas. A forma como Dino Merlin brincava com as palavras, como quem as molda em canções de amor e perda, em hinos de resistência e esperança. A música, além de sua melodia, me falava de algo que não se explicava apenas em termos de notas e acordes; ela tinha uma alma que conectava as diferentes partes da Bósnia, as diversas etnias e religiões que coexistem num equilíbrio instável e ao mesmo tempo mágico.
Ao ouvir a música, principalmente de tantos outros artistas que busquei depois, comecei a entender o que muitos chamam de "alma bósnia". E não era só uma questão de sonoridade; era uma questão de vida. A música da Bósnia é uma música de transição, de passagem, que não tem medo de se misturar, de ir do ocidente ao oriente e voltar, sem perder sua identidade. Ela é, assim, como a própria Sarajevo, um ponto de encontro entre mundos diferentes, onde o passado e o presente se tocam, se sobrepõem e se fundem.
E é isso que Dino Merlin representa para a música bósnia: uma ponte entre esses mundos. Sua música me fez perceber que, na Bósnia, até a arte parece querer mostrar que não existem fronteiras, apenas caminhos que nos conectam, por mais distantes que pareçam. A cidade, com sua história conturbada e suas inúmeras faces, é, na verdade, uma síntese de tudo o que o mundo pode ser: um lugar onde a música, como a vida, nunca para de se transformar.
Naquele dia, ao sair da loja com o CD na mão e o coração mais leve, percebi que a música de Dino Merlin era a trilha sonora de uma tarde perfeita em Sarajevo. Era, talvez, a trilha sonora de uma cidade, de um país e de um continente que, apesar de suas lutas, sabe como se reinventar e se manter belo, como um acorde que ecoa por gerações. Dino Merlin se tornou a trilha sonora desse meu tempo na Bósnia.
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